para
Regina Casé,
Frans
Krajcberg
e
às tristes Sibipirunas de Piracicaba.
Com certeza,
a maninha
Sibipiruna,
lá de Silva Jardim,
com tanto carinho e
respeito,
por boa senhora
plantada,
terá mais firmeza,
e um melhor fim
que as de
Piracicaba...
Nessa teimosia,
desajeitada,
de a esmo germinar
e viver
– sina que nunca se
acaba,
o nosso jovenzinho
Ingá,
com amor plantado
lá
sorte e vida
melhor, há de ter...
Com certeza, terá!
V(inga)rá!
Queria poder, por
mais tempo, doar-me, partilhar a minha existência, de tão antiga espécie.
Acolher, com minhas flores e frutos perfumados. Abrigar, com extensas sombras,
entre os aromas das minhas ramagens.
Nas cidades, assusto-me. Trazida para
jardins e caminhos, queria vicejar em paz, não mais ouvir o ronco das vorazes
serras elétricas, mutilando-me anos de vida. Sem piedade, por razões quaisquer,
fustigam minha dignidade ou podam-me num arremedo da minha majestade. Fazem-me
desaparecer das paisagens urbanas ou, nas vias, entre fios, mal consigo
crescer, estender-me... Nas serrarias, verdadeiro inferno, jogam-me dos
caminhões e vou rolando, chorosa, pelas pranchas cheias de lascas de outras
irmãs. Içada, sou rasgada em tiras e ripas, reduzida a serragem, pó. Mas,
consolo-me... Ao pó, não haveremos de retornar?
Queria poder, por
mais tempo, dar repouso sob o manto das minhas galhadas. Dar mais cores ao
canto dos passarinhos e amenizar, tornando menos dura com minhas folhagens pelo
chão, a sua passagem pela vida, amigo.
Nos campos, ái, nos
campos... Ardo ao vento, à toa... Pereço imolada em queimadas criminosas, sem
sentido. Nos bosques, mãos infantis – por que crianças? – revolvem minhas achas
nas estufas fumegantes de fornos ocultos – por que ocultos? Quisera que as
labaredas que me consomem fossem verdes e não rubras, e ardessem frescas como a
menta. Mas estalo toda, carbonizo junto com tocas e ninhos. No ar, o cheiro
forte que ressuma, acre, é de vida e morte – lida e sorte – que em fumos se
esvai! Triste manto cinza... É rasto calcinante de cruel ambição, que relega
tudo a cinzas, pó. Mas, resigno-me... Ao pó, haveremos de retornar...
Saudosa,
pergunto: Cirandas, piques, balanços... Por onde andam as nossas crianças? Por
quanto mais tempo, ainda, “minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá...”?
Generosa,
perdôo a todos e não ensejarei vingança, jamais, aos que me sacrificam. No
último dos seus dias, indefeso e “imóvel, em sua forma definitiva”, ainda assim
lhe serei útil. Serena, irei protegê-lo, guardá-lo com minhas tábuas e sombrear
a sua última morada. Perdôo a tudo, não tema, não haverá cobrança. Em plena
harmonia, sobrevivo neutra, servindo sempre... Continuo sendo tudo, a roda que
movimenta, o remédio que salva, o estrado que descansa. Teto, calor, alimento,
música... Brinquedo, oficina, livro... Virá, espero, o dia em que inventarão
resinas que me substituam...
No
entanto, prossigo em paz com minha natureza, sempre exuberante e atrativa. Por
minhas essências, tintas e sementes, navegadores deram voltas ao mundo... Por
séculos, movimentaram-se gentes e dinheiros, através de mares e continentes.
Hoje,
aqui, roubam-me nas florestas. Madeira nobre!, gritam. Ora, na Natureza, todos
somos nobres em nossas próprias naturezas. Há nobreza, até em quem me corta.
Querem minha carne, meu sangue – lenho e seiva – até o meu cerne... Sobrar
cavaco? Sequer!
Agonizo.
Decepada de minha copa, frondosa, e de minhas raízes, garras partidas, tombo...
Agora mesmo vou, toco ridículo, à deriva pelos rios sinuosos deste Brasil,
boiando sem vida. Levam-me empilhada em caravanas clandestinas, entre o que
ainda resta de selva, órfã de mim. Sigo não mais como mata, altaneira, mas
deitada em funeral, morta! Embarcam-me, silenciosamente. Não em sinal de
reverência, mas por solerte, odiosa necessidade. Sou levada, sorrateiramente –
ninguém vê? – para terras de outros mares.
Mas... Já não vim
ter a esta mesma terra, séculos atrás, na forma de naus e caravelas?... Não
servi de altar, numa Primeira Missa? E há dois milênios, não servi de berço a
um certo Menino? Pouco depois me fizeram lança, que matou a outros meninos... E
mais tarde, quando Aquele se tornou Homem – estremeço! – servi-Lhe de cruz!
Como chamar a
atenção dessa espécie, tão insana – humana?
Cessem os mares,
parem os ventos! Minha espécie, muito ancestral à sua, está morrendo... Que
pobre destino, por seu desatino...
Oh, gemo... Não
pela força do vendaval, que me retorce, ou do raio, que me destroça, mas pelo
meu raso futuro, neste quinhão. Rasa cova, pedregosa, não de plantio, mas de
desfeitio.
Senhor, Senhor...
Perdoe minha desesperança, perdoe esta sua criatura... Árvore... Ser árvore...
Como não queria mais ser árvore!
Contudo... Mesmo
assim, neste incerto desvão, germinarei, vicejarei, abrigarei outra vez. Ah, como
sou teimosa... Nem que seja só por mais uma vez – a última – insisto, para
poderem brincar, desenhar, ler e escrever, todos, à minha sombra...
Sergio Roberti de Nucci
São Paulo, SP, 15 de agosto de 2005